Governança hídrica em períodos de seca prolongada

Governança hídrica em períodos de seca prolongada

Governança Hídrica em Períodos de Seca Prolongada: Caminhos para Resiliência e Eficiência no Uso da Água. Nas últimas décadas, a intensificação de eventos climáticos extremos — entre eles, as secas prolongadas — tornou-se uma ameaça recorrente à segurança hídrica de regiões urbanas, rurais e industriais. A recorrência de estiagens severas, sobretudo nas regiões semiáridas e em bacias hidrográficas sobrecarregadas, exige uma reformulação profunda na forma como o Brasil — e outras nações com climas tropicais — conduz a governança de seus recursos hídricos.

A governança hídrica em contextos de seca prolongada vai além da gestão operacional da água: trata-se de um sistema de decisões, responsabilidades compartilhadas, transparência institucional e articulação entre múltiplos atores públicos, privados e civis.

Governança hídrica: conceito e fundamentos

Governança hídrica é a arquitetura institucional, legal, técnica e participativa responsável por assegurar o uso eficiente, equitativo e sustentável da água. Diferente da gestão, que foca no operacional (monitoramento, controle, distribuição), a governança define o “como”, “quem” e “com que instrumentos” se tomam as decisões sobre a água.

Componentes essenciais da governança hídrica:

  • Quadro institucional: órgãos gestores estaduais (como por exemplo: Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), SP Águas – Agência de Águas do Estado de São Paulo (antigo DAEE), federais (Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (IBAMA) e instâncias locais (comitês de bacia);
  • Marco legal: legislação como a Lei das Águas (Lei nº 9.433/1997), que institui o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH);
  • Instrumentos de gestão: outorga de uso, cobrança pelo uso da água, planos de bacia, enquadramento de corpos hídricos;
  • Participação social: envolvimento de usuários, sociedade civil, setor produtivo e poder público em processos decisórios;
  • Coordenação entre níveis de governo: articulação entre esferas federal, estadual e municipal, especialmente em bacias interestaduais.

Seca prolongada: o novo normal climático

A seca é caracterizada por um déficit hídrico que afeta diretamente a disponibilidade de água superficial e subterrânea. Quando se prolonga por vários ciclos hidrológicos, ela altera a estrutura do solo, reduz a recarga de aquíferos, impacta a biodiversidade e ameaça a sustentabilidade da produção agrícola e industrial.

Fatores que intensificam a vulnerabilidade:

  • Desmatamento e degradação ambiental, que reduzem a capacidade de retenção e infiltração do solo;
  • Conflitos pelo uso da água, geralmente entre agricultura irrigada, abastecimento urbano e uso industrial;
  • Falta de planejamento urbano, com expansão sem controle sobre áreas de recarga;
  • Forte dependência de fontes superficiais e ausência de políticas para reuso e aproveitamento de águas pluviais.

Casos críticos no Brasil

Crise do Sistema Cantareira (2014-2015)

A região metropolitana de São Paulo enfrentou uma das mais graves crises de abastecimento da história recente. A falha de comunicação e a gestão reativa levaram à perda de credibilidade institucional e à adoção tardia de medidas de racionamento. A crise revelou a fragilidade da governança frente a eventos extremos.

Seca no Semiárido e o colapso em cidades nordestinas

Cidades do interior do Nordeste, como Campina Grande (PB) e algumas do Sertão do Ceará, enfrentaram colapsos hídricos sucessivos, exigindo operações emergenciais de carros-pipa, construção de adutoras de engate rápido e dependência de fontes de água cada vez mais distantes e onerosas.

Crise hídrica no Centro-Oeste (2020-2021)

Com impactos na agroindústria, usinas hidrelétricas e abastecimento urbano, a estiagem prolongada em estados como Mato Grosso e Goiás exigiu medidas de restrição temporária de uso, priorização de abastecimento humano e corte em outorgas de irrigação.

Estratégias de governança para enfrentar secas prolongadas

Planejamento adaptativo

Um dos pilares mais relevantes da nova governança é o planejamento adaptativo. Trata-se de um modelo baseado em cenários climáticos, dados hidrológicos em tempo real e regras de operação dinâmicas para reservatórios.

Alocação negociada e pactos entre usuários

Por meio dos comitês de bacia, é possível estabelecer regras de uso compartilhadas para momentos de escassez. A experiência da Bacia do Rio Jaguaribe (CE) é referência em pactuação de usos prioritários, com engajamento direto de produtores, usuários urbanos e órgãos públicos.

Fortalecimento das outorgas condicionadas

A emissão de outorgas de uso de água com parâmetros dinâmicos — como redução de vazão outorgada durante estiagens — aumenta a capacidade de resposta do sistema sem comprometer o licenciamento ambiental.

Governança hídrica como vetor ESG e inovação

Empresas têm sido crescentemente cobradas por investidores, certificadoras e consumidores quanto à sua pegada hídrica. A água é parte do tripé ESG (ambiental, social e governança), e os riscos associados à escassez podem afetar diretamente a produção e o valor de mercado de grandes indústrias.

Soluções adotadas pelo setor produtivo:

  • Reuso de efluentes industriais tratados, reduzindo a captação de água potável;
  • Instalação de sistemas de recirculação e recuperação de água em processos produtivos;
  • Criação de Reservatórios de Contingência, sobretudo em indústrias de base (cimento, mineração, papel e celulose).

Certificações relevantes:

  • Alliance for Water Stewardship (AWS)
  • ISO 46001:2019 – Sistemas de gestão da eficiência do uso da água
  • Indicadores do CDP Water Security

Soluções baseadas na natureza (SbN) para aumentar a resiliência hídrica

Infraestruturas verdes são cada vez mais valorizadas como alternativas complementares às soluções “cinzas” (barragens, adutoras, estações de bombeamento).

Exemplos de SbN:

  • Recuperação de áreas de recarga hídrica e de APPs degradadas;
  • Implantação de sistemas agroflorestais com conservação de solo e água;
  • Pagamentos por Serviços Ambientais (PSA) para produtores que mantêm áreas de conservação hídrica.

O papel da sociedade e da educação ambiental

A governança não se sustenta sem consciência coletiva. Campanhas de mobilização, comunicação clara em momentos de crise e participação em audiências públicas são fundamentais para construir uma cultura de uso racional da água.

O exemplo do programa Produtor de Água (ANA) mostra como é possível articular preservação, renda rural e segurança hídrica.

Caminhos para uma governança mais eficaz em tempos de seca

  1. Revisão periódica de planos de bacia com inclusão de cenários climáticos
  2. Integração entre os planos diretores municipais e os instrumentos de gestão hídrica
  3. Fomento a redes de monitoramento e dados abertos sobre disponibilidade hídrica
  4. Criação de zonas críticas prioritárias para investimento em resiliência hídrica
  5. Apoio à inovação tecnológica e à digitalização da gestão da água

Mais do que técnica, governança é pacto político

Secas prolongadas são realidades inevitáveis no novo regime climático. A diferença entre o colapso e a adaptação reside na capacidade institucional de articular respostas coordenadas, mediadas por dados, ciência e participação social.

Governança hídrica eficaz exige:

  • Antecipação, e não reação;
  • Cooperação, e não competição entre usos;
  • Justiça hídrica, que considere os mais vulneráveis;
  • E compromisso político, para transformar decisões técnicas em ações públicas estruturantes.

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